quinta-feira, outubro 18, 2012

Excerto de Guy de Maupassant

Ao ler o livro do Bel-Ami, dei por mim com uma reflexão bastante sábia sobre a velhice, a morte, as expectativas da sociedade e da própria vida, que não resisti em partilhar. Espero que gostem tanto quanto eu!

"(...) - É possível  No país dos cegos quem tem um olho é rei. Todas essas pessoas, acredite, são uns medíocres, porque têm o espírito entre dois antolhos: o dinheiro e a politicas. São uns pedantes ordinários, meu caro, com quem é possível falar de algo, de algo de que gostemos. A sua inteligência tem um fundo raso, ou melhor, é um fundo de depósito de imundices, como o Sena em Asniêres. Ah! É muito difícil encontrar um homem que tenha espaço no pensamentos, que nos dê a sensação dessas grandes rajadas que respiramos à beira-mar! Conheci alguns, mas já morreram.
(...) - Isso, aliás, não é importante, um pouco mais ou um pouco menos de génio, se tudo tem de acabar!

- Está a ver tudo negro, hoje, caro mestre.
- Tenho visto sempre assim, meu filho e verá da mesma forma como eu vejo, dentro de alguns anos. A vida é uma encosta...Enquanto subimos, olhamos para o cima e sentimo-nos felizes; mas quando chegamos lá acima, descobrimos, de repente, que a descida é o fim, que é a morte. A coisa anda lentamente quando subimos, mas depressa quando descemos. Na sua idade, somos alegres, sonhamos com tantas coisas, que, aliás, nunca se realizam. Na minha idade, já não se sonha ter nada, a não ser a morte.
- Apre! Causa-me calafrios!
- Não, não compreende hoje, mas há-de lembrar-se, mais tarde, do que lhe estou a dizer neste momento. Chega um dia, e às vezes chega cedo para muitos, em que se deixa de rir, pois por trás de tudo é a morte que vemos. Oh! Não compreende sequer esta palavra: Morte. Na sua idade, não significa nada, é terrível. Sim, compreendemo-lo de repente, não sabemos porquê nem o propósito de quê. Então, tudo muda de aspecto na vida. Por mim, há quinze anos que a sinto a minar-me como se trouxesse cá dentro um animal a roer-me. Dei por isso, aos poucos, mês atrás mês, horas atrás de hora, a abalar-me assim como uma casa que vai ser derrubada.(...)

(...) - O que deseja? Amor? Ainda mais alguns beijos e ficará impotente. E que mais? Dinheiro? Para quê? Para pagar a mulheres? Que bonita coisa! Para comer muito, ficar obeso e gritar noites inteiras com as mordeduras da gota? Que mais? A glória? De que serve, quando já não podemos colhê-la sob a forma de amor? Que mais ainda? Sempre, no fim de tudo, a morte!(...)

(...) - Ninguém regressa. Nunca. Guardamos as formas das estátuas, os cunhos de que se fazem os objectos iguais; mas o meu corpo, o meu rosto, os meus pensamentos, os meus desejos, não voltarão mais. No entanto, nascerão milhões  biliões de seres que terão, no espaço de alguns centímetros quadrados, nariz, olhos, testa, face, boca, tal como eu, e também uma alma como eu, sem que jamais eu volte, jamais, qualquer coisa de mim que seja reconhecível reaparecerá nessas criaturas inumeráveis e diferentes, indefinidamente diferentes, embora quase semelhantes. A que nos agarramos? A quem dirigimos os nossos gritos de socorro? Em que podemos crer? Todas as religiões são estúpidas com a sua moral pueril e as suas promessas egoístas, monstruosamente tolas. Só a morte é certa.

(...) - Pense nisto, mancebo, pense nisto, durante dias, meses e anos, e verá a existência doutra maneira. Tente libertar-se de tudo o que o prende, faça um esforço sobre-humano para sair vivo do seu corpo, dos seus interesses, dos seus pensamentos e da humanidade inteira, para ver outra coisa, e compreenderá que pouca importância têm as lutas entre os românticos e os naturalistas ou a discussão do orçamento.

(...) -Eu cá sou um ser perdido. Não tenho pai, nem mãe, nem irmão, nem irmã, nem mulher, nem filhos, nem Deus. (...) Só tenho as rimas.(...)"


«Et je cherche le mor de cet obscur problème
Dans le ciel noir et oÙ flotte un astre blême.»

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