segunda-feira, abril 29, 2013

Excerto MEC - O Amor é Fodido

Sou daquelas pessoas que não consegue ler um livro sem sublinhar, nem que seja uma mera frase que ache interessante ou que me faça pensar nela. Para alguns isso é "assassinar" um livro mas para mim é uma forma de salientar a essência daquele mesmo livro e daquelas palavras. Mas curioso foi ver que, ao sublinhar algumas passagens e voltando a ler esses mesmos sublinhados, dei por mim a ler um livro completamente diferente daquele que inicialmente tinha lido. Caso disso, deu-se com o último livro que li - O Amor é Fodido do Miguel Esteves Cardoso. Venho agora partilhar esse mesmo "livro" que dei por mim a descobrir depois de o voltar a ler de uma outra forma.

"Adeus - aonde mandamos as pessoas. A última sílaba que ouvimos é dum nome que só conhecemos porque jurámos que nunca o havíamos de dizer. Seria alegre termos sido capazes de nos despedirmos bem, ao menos uma vez. A todos os outros foi-nos tão fácil dizer adeus. Nós éramos danados, especialistas nos reencontros e no «vamos mas é continuar juntos».
A palavra «reencontro» faz-me rir. é daqueles dois és. (...) É esse o curso que quero seguir, se for obrigado a escolher um. Ser como um cheiro que permanece, ligado a um momento que se esqueceu. (...) Ai, o meu mal de amor. Todo o mal que tenho feito e que me tem acontecido, vem-me do amor que me tiraste. (...) A minha bondade deve ter sido pouca, para eu tê-la gasto  toda contigo. Mas o meu amor era imenso. Escusavas de tê-lo açambarcado todo. (...)

Serei um lembrador, uma conservatória, com os meus assentos de mortes e nascimentos. Tenho jeito para recordar - é a única coisa que me resta fazer desde que nasci. Tive sempre consciência que os momentos e as experiencias eram só matérias-primas, primeiros passos - os únicos. Serei o teu lembrador, quem te lembra, quem te aproxima de quem eras. Não falarei com ninguém, mas ai de quem vier falar comigo. Hei-de chatear toda a gente com a tua pessoa. Ai, as histórias que vou contar, nunca mais acabarão, serão feitas só de coisas simples, como cafés e cinemas, nada de íntimo ou de interessante, só banalidades, daquelas que dão cabo de mim, que não consigo esquecer por mais uma - meu Deus, como vou chorar!(...) Hei-de ser o caseiro do teu coração, no sótão do meu. Guardarei os teus restos num caixote da minha cabeça. Serei quem se lembra de quem tu eras e em nada me impedirá o facto de eu não fazer ideia do que isso seja.(...)

(...) Pensava que merecias melhor que eu, que te ias fartar de mim, que me ias descobrir. E afinal a única coisa que eu tinha para descobrires, à parte o meu grande amor, era a minha queda para a cobardia, e para ti. (...) Estou sempre a cair em ti, em vez de em mim. Só assim eu poderia tomar consciencia da minha situação, pentear-me, deixar de beber e de me lembrar - e salvar-me. Mas é no meu amor, nos teus olhos de água suja, de um mar que não tem cabo, que eu caio cada vez que se deita o meu olhar. (...) Quanto mais longe, mais perto me sinto de ti, como se os teus passos estivessem aqui e dizer-te quanto te amo e como te procuro, no meio de uma destas ruas em que te vejo, zangado de saudade, no céu claro, no dia frio. Devolve-me a minha vida e o meu tempo. Diz qualquer coisa a este coração palerma que não sabe nada de nada, que julga que andas aqui perto e chama sem parar por ti. (...)

(...) O que custa não é tanto lembrar - é não esquecer. O que é que se faz com o que nos fica na cabeça, quando já não há nada para fazer? (...) O meu coração tem a lembrança curta e as minhas mãos só servem para te tocar. Abriga-te, guarda-te, justifica-te, no meu peito grande. O tempo vai mal para quem foge só por fugir - ajuda quem desistiu de alguém por quem procurar. (...)"

Miguel Esteves Cardoso - O Amor é Fodido, 14ª Edição, Assírio & Alvim

Resumir um livro de 187 páginas com uma história hilariante e muito sexo e palavrão à mistura, nada tem a ver com esta aclamação à saudade, ao amor incondicional e ao poder da mente e do tempo, que encontramos neste excerto que, a meu ver, podia bem ser uma carta que nunca será escrita! É este o poder da leitura e do detalhe por detrás da verdadeira obra.

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