segunda-feira, novembro 23, 2015

Sonho acordado enquanto caminho.

Caminho sem pressa, sem tempo, sem destino, sem mesmo saber qual o meu caminho. Sigo os meus passos, de um corpo que segue livremente uma mente que voa e viaja sem prisões. Piso ervas, pedras, terra e nada me parece deter. O frio apenas me acompanha e nem ele é capaz de me fazer mudar de ideias. Não penso, apenas olho e sonho com o que já foi e o que pode vir a ser.

Sonho com uma casa no campo, isolada mas acolhedora. Coisas pequenas e simples que aconchegam o coração. Sonho com cães a correr em volta do pátio e uma pequena horta mesmo ao lado, para colher aquilo que a terra me quiser oferecer. Sonho com a lenha amontoada no alpendre para nos aquecer neste inverno rigoroso e tu ao lume a preparar o jantar. Sonho com uma lareira acesa à nossa espera, tal como um chocolate quente acabado de fazer. Sonho com as paredes do nosso quarto cobertas de livros só para ti e um recanto à janela para descansares. Sonho com o passar das estações e com uma vida a dois.

Mas faltas tu. Caminho e não te encontro. Nem mesmo a penumbra te traz até mim. Caminho sem saber para onde e procuro-te. Tento-te encontrar mas há muito que partiste. E não quero olhar para trás, para aquele tempo em que sonhávamos com tudo isto. Mas sou um homem de cumprir palavra por isso vou fazer o que prometi. Vou procurar o nosso refugir, construir a nossa casa, ter os nossos cães e acender-te o lume sempre que tiveres frio. Irei dar-te um beijo enquanto cozinhas e esperar por ti para beber o chocolate quente. Vou aconchegar-te enquanto leres o teu livro favorito pela milésima vez e irei apagar a luz quando adormeceres... ou então deixo-a acesa, para não te voltar a perder.

Por agora caminho, para parte incerta, para algum lugar. Sei que me guias, sei que segues aqui do meu lado. Consigo sentir o teu respirar, o teu toque quente e ainda vejo o teu sorriso quando fecho os olhos. Sinto-te no vento a chamar por ti, sinto-te nos passos que dou para ti. Fica comigo assim, não partas mais e quando encontrar esse lugar, sei que foi o que tu escolheste... e onde antes não havia mais vida, sei que o meu coração sei vai encher de forças para erguer de novo uma vida contigo mas sem ti.

Ana de Quina - Novembro 2015

quinta-feira, setembro 24, 2015

Cidade ou campo?

Hoje li uma frase com a qual me identifiquei, acompanhada de uma imagem linda de um final de tarde, inicio de noite, que me fez parar no tempo e pensar realmente sobre esta questão. Cada vez mais sou confrontada pela típica pergunta de "como gostas de um sitio onde não há nada?" ou as constantes exclamações que me deixam completamente passada de "como é uma rapariga que nasceu numa cidade consegue gostar tanto do campo!". A resposta é simples: por tudo aquilo que o campo tem que a cidade não me dá! Quem quiser entender, vai entender... quem não quer, não vai entender. Simples.

Para muitos a vida da cidade é tudo: discotecas (que eu odeio), a "vida da noite" (que se pode ter em qualquer noite, em qualquer lugar), atividades culturais (na cidade quer dizer moda e sítios "in"), praias (tenho uma a cinco minutos de casa), trabalhos melhores (com salários de escravo), mais oportunidades (será?) e vidas espetaculares para partilhar com amigos e família (viva o facebook). Sinceramente, dispenso estas coisas na minha vida. E no que toca à tecnologia, cada vez desprezo tanto a vida na cidade como o uso das mesmas. Não, não é apenas para ser do contra, é querer ser cada vez mais verdadeira comigo e com os que me rodeiam. Até mesmo os que moram no campo sonham em ir viver para a cidade, por isso quase parece uma ofensa esta forma de pensar mas acredito que é preciso perder aquilo que temos para lhes dar valor e neste caso acredito que não estarei errada.

Se todos tivessem a oportunidade de ir passar um fim de semana para o campo, sem trabalho, sem problemas, sem tecnologias, com o mínimo indispensável, talvez conseguissem realmente encontrar aquilo que muitos tentam procurar e não encontram: nós mesmos. Para a maioria iria ser difícil deixar os pequenos vícios rotineiros para trás, mas acredito que muitos iriam voltar para esses mesmo vícios com outra perspectiva da vida, o que já por si tinha valido a pena.

Ninguém tem noção da inveja que tenho daqueles que podem sair de casa e ver as estrelas quase todas as noites. Daqueles que se podem perder por caminhos de terra no meio da natureza e ouvir a natureza chamar por nós, desde o som dos pássaros a cantar ao simples som do vento a correr por entre as folhas das árvores. Daqueles que se juntam num largo qualquer com os amigos e ficam até às tantas a conversar e a beber, sem querer saber das horas. Daqueles que vêm o entardecer a desaparecer no horizonte, atrás de montes de vários tons e que nos fazem sentir formigas neste mundo. Daqueles que conduzem em estradas que atravessam o coração da natureza e se perdem em pensamentos enquanto o fazem. Daqueles que trabalham todos os dias no campo com os amigos ou familiares, ralhando e discutindo, ficando tudo esquecido ao fim do dia com uma jantarada e um convívio genuíno. Daqueles que podem sair de casa e ir a pé para todo o lado dentro das suas terras, sem ter de depender de trânsitos e carros. Daqueles que podem correr ou ir passar de bicicleta e ir descobrir caminhos novos todos os dias. Daqueles que sobem aos telhados ou aos montes mais altos pela madrugada para ver o nascer do sol antes de começar o dia. Daqueles que vivem em casas modestas e típicas, cheias de histórias e tradições. Daqueles que vivem das estações e daquilo que a terra lhes dá. Daqueles que vivem a cuidar de animais e passam mais tempo com eles do que com as pessoas...

"Pessoas da cidade não entendem o que é estar apaixonado pelo campo", a não ser que já o tenham experimentado. E sim, faz falta não ter nada, faz falta sermos apenas nós próprios, faz falta viver com menos e ter mais doutras coisas, faz falta aproveitar melhor o nosso tão curto tempo, faz falta ser simples e amar as coisas simples que a vida tem para nos dar. Só assim podemos ser completos, únicos e autênticos. O campo sempre foi a minha segunda casa e cada vez mais quero que seja a primeira, para desagrado de alguns, mas sei que apenas ali posso ser eu, odiada por muitos, amada por outros, mas EU. Apenas quero ser feliz onde me sinto bem e não é a cidade que me dá esse sentimento. Costuma-se dizer que a nossa casa é onde está o nosso coração e o nosso amor, e não podia estar mais de acordo.

Ainda não há muito tempo fui confrontada com um pensamento errado, como se me tivesse virado para o campo para fugir a uma outra realidade, mas olhando para trás e continuando a acreditar na minha máxima de que nada acontece por acaso, a verdade é que sempre desejei fazer a minha vida fora de onde a fiz, sempre quis que a minha segunda casa fosse a primeira e agora que não tinha mais prisões na cidade, porque não aproveitar e arriscar? porque não ir atrás de um sonho? porque não perseguir uma vontade tão grande? Era o agora ou nunca e fui com tudo, para onde o meu coração desejava estar. Parece bonito, mas a vida é mais difícil do que esperamos, principalmente quando nos rodeamos de gente que não entende porque escolhemos uma vida de felicidade a uma vida de conforto, uma vida simples a uma vida de luxo, uma vida calma a uma vida estressante... são escolhas e esta é a minha, gostem ou não!

Aquilo que era para apenas ser uma reflexão, acabou por se tornar um desabafo pessoal, talvez porque assim teve de ser, talvez por não conseguir gritar ao mundo aquilo que trago no coração e como me irrita viver uma vida igual a todos os outros, imposta por uma sociedade cheia de "certos e errados" e de pensamentos formatados... quero sim ser livre, ir atrás dos meus sonhos, ir atrás daquilo que sei que posso ser e ainda assim não precisar de ser burra ou perder qualidades como muitos julgam. A estupidez depende da nossa vontade de o ser ou não. E estupido é aquele que acha que por nascer na cidade é mais inteligente do que os que nascem no campo... cada um com as suas qualidades e os seus defeitos, cada um com os seus conhecimentos e cada um com o seu destino... o meu é apaixonar-me todas as manhã pela vida, como os gatos que olham para tudo como se fosse a primeira vez e escrever tudo aquilo que não tenho coragem de dizer. Poucos saberão o prazer de estar no meio da natureza com um caderno e uma caneta e deixar-se perder em palavras e pensamentos, enquanto o tempo passa, sem pressa, sem compromissos, sem nos tirar nada que tanto temos medo de perder... o prazer de abrir uma janela e ver paisagem em vez de um amontoado de betão.

Espero que agora possam entender esse meu gosto e essa minha paixão. Já há muito que deixei de querer mudar o mundo, mas sei que se mudar o meu posso ser alguém melhor e fazer os que estão do meu lado pessoas melhores. E do que serve a vida se não for para sermos felizes? Do que serve a vida se não for para fazermos aquilo que gostamos? Do que serve a vida se não for para sermos pessoas melhores? Do que serve a vida se não for para traçarmos o nosso próprio caminho? Deixem-me ser livre como nunca fui antes de fazer as minhas escolhas e viver a vida que sempre quis, no campo!

Tenho pena de quem não ama

Olho para trás e para a frente. A verdade de um lado, a mentira do outro. O certo e o correto em confronto. O sim e o não. De um lado os ricos, do outro os pobres. E aqueles que amam e aqueles que vivem de interesses... e no meio eu. A televisão enche-se com histórias de terror, politiquices que não trazem nada de novo, pessoas que vivem vidas fantásticas, famosos que fazem tudo sem ter nada, confronto de realidades distintas e aos poucos o amor deixa de existir. Volto a olhar para trás, para lá daqueles tempos de televisão, telefones e computadores. Olho para os tempos das cartas, das palavras escritas, das conversas cara a cara, do perigo de amar e invejo quem um dia viveu assim. Invejo quem realmente lutou, quem realmente sofreu e correu atrás, quem beijou às escondidas de olhares alheios, quem inventou histórias e usou os amigos como desculpas para encontros clandestinos. Custa a acreditar que uma história dessas ainda hoje exista? Existe sim. E os amores proibidos acabam por ser os mais verdadeiros.

Nos filmes tudo é sempre mais bonito e mais fácil, com finais felizes praticamente garantidos. Na vida real nem sempre é assim. Há lutas que podem acabar mal, as consequências podem ser demasiado graves mas o risco está em cada passo que damos na nossa vida. As probabilidades de se viver intensamente são escassas. Olhando para a frente, o romantismo morreu. As loucuras são para os malucos e os imbecis que não sabem o que querem da puta da vida. E aqueles que amam devem sofrer de uma doença qualquer que ainda hoje não encontraram cura, tornando-os estúpidos por completo. Olhando para a frente e para trás, os tempos não estão assim tão diferentes. O interesse é mais comum do que os sentimentos. Não há tempo para amar, não há tempo para parar o tempo e cuidar. E olhando para trás, é tudo mentira.

Se trabalhe no INES e fosse fazer um inquérito a casais, 1 em cada 5 (ou mais) diriam que não casaram com a pessoa que queriam, porque não lhe deixaram. Diriam que casaram por estabilidade de vida e não por amor, casaram por opção de terceiros e não sua. Diriam também que não fizeram o que queriam com as suas vidas, que não conquistaram os seus objectivos de vida e pior ainda, tinham desistido dos seus sonhos por estarem com quem não queriam. E hoje seria assim tão diferente? Há casos e casos mas... nem deveria haver um mas. Tenho pena de quem não ama, de quem não fez o que queria, de quem não lutou, de quem não, pelo menos, tentou. Pobres são aqueles que jamais chegaram a ser quem realmente desejariam ser. É difícil agradar toda a gente, e nós onde ficamos? É preferível viver uma vida de mentiras e não ter problemas.

Podia-vos contar uma história bem real, mas não conto porque ainda não sei o seu final e porque não quero que fiquem a saber mais do que eu, mas tenho a certeza que vos ia apaixonar da mesma maneira que me apaixonou a mim. Há muitas formas de amar e muitas formas de o demonstrar mas hoje em dia parece tão raro que quase pensamos só existir em livros, filmes e musicas. Parece-me tudo tão metódico, tudo tão certo e planeado que não gosto do que vejo e tenho pena, pena do mundo de mentiras em que vivemos. Vivam e deixem viver, amem e deixem-se ser amados e no fim voltamos a conversar. Dizem que o amor cura tudo e quando é verdadeiro não tem tempo, não tem momento certo e simplesmente acontece... mas já ninguém acredita em contos de fadas pois não? Não é preciso, pois não há nada mais real do que o amor.

domingo, setembro 06, 2015

Alguma vez...

Alguma vez amaste com medo de errar?
Alguma vez te deixaste apaixonar?
Alguma vez conseguiste mandar nos teus sentimentos?
Alguma vez te entregas-te de olhos fechados e deixaste o tempo andar?

Alguma vez sofreste por amor?
Alguma vez sorriste quando só te apetecia chorar?
Alguma vez sonhaste livremente?
Alguma vez caminhas-te ao luar?

Alguma vez pediste um desejo?
Alguma vez pensaste em mim?
Alguma vez roubaste um beijo?
Alguma vez esperas-te um sim?

Alguma vez te fiz sorrir?
Alguma vez te fiz Feliz?
Alguma vez falhei contigo?
Alguma vez houve algo que eu não fiz?

Alguma vez cometeste uma loucura?
Alguma vez fizeste algo que não fizeste por mais ninguém?
Alguma vez beijaste no meio da estrada deserta?
Alguma vez gritas-te o nome de alguém?


Alguma vez perdeste o sono?
Alguma vez tiveste vontade de fugir?
Alguma vez eu fui o teu sonho?
Alguma vez me deixavas partir?

Alguma vez houve um abraço que te acalmou?
Alguma vez disseste o que não querias?
Alguma vez te deram um beijo na testa?
Alguma vez alguém curou as tuas feridas?

Alguma vez amaste de mais?
Alguma vez roubaram-te o coração?
Alguma vez pensaste em desistir?
Alguma vez foi só paixão?

Alguma vez deste a mão para te sentires seguro?
Alguma vez fizeste promessas?
Alguma vez tu foste o segundo?
Alguma vez te deram flores como essas?

Alguma vez viste o brilho de um olhar?
Alguma vez viste uma estrela cair?
Alguma vez te fartas-te de tentar? 
Alguma vez estivemos juntos a dormir?

Alguma vez brincas te com o fogo?
Alguma vez provocas-te alguém?
Alguma vez tudo foi só um jogo?
Alguma vez partiste sem dizer nada a ninguém?

Alguma vez amaste intensamente?
Ficaste sem ar ou sem chão com o fim?
Alguma vez será para sempre?
Meu amor, diz me que sim!


Ana de Quina, 2015

quinta-feira, setembro 03, 2015

Escrever é uma terapia.

Infelizmente não tenho muito jeito com as palavras ditas. A língua começa a enrolar-se, a boca começa a ficar seca como uma adolescente que entra em pânico por estar a falar com a sua grande paixão e se o caso envolve momentos mais enervantes, as lágrimas começam a fazer parte do discurso distorcido e incompreensível. Por isso mesmo escrevo.

Ao escrever as palavras fluem, a língua não se mete no meu caminho e a caneta parece ser uma grande aliada ao debitar todos os meus pensamentos, os meus medos, os meus segredos numa folha em branco, à espera de ser preenchida com memórias. E se o assunto for para "apagar", basta rasgar ou queimar aquele bocado de papel e tudo o que tínhamos para dizer foi dito e ao mesmo tempo esquecido no mesmo instante. Assim se tira um peso de cima do peito e damos descanso à nossa mente.

Escrever não é apenas uma arte, muito menos o considero um dom. Não gosto de escolher muito as palavras que escrevo. Escrevo como falo e de uma vez só, como um comboio a alta velocidade que pode descarrilar a qualquer momento. E o melhor de escrever é isso mesmo. Podemos descarrilar à vontade, sem fazer feridos, sem magoar ninguém. Ao contrário da palavras dita, ela não machuca tanto. Despejamo-la para o papel da mesma forma que deitamos o lixo no seu devido lugar e rapidamente esquecemos... já a palavras dita, infiltra-se nos cantos da nossa memória e aos poucos vai proliferando como um vírus altamente contagioso, ao ponto de nos corroer a alma e só depois conseguimos, aos poucos, ir apagando essas palavras da nossa mente e do nosso coração.

É por isso que prefiro escrever, é por isso que me sai mais facilmente as palavras não verbais e deixo a minha mente falar da forma que quiser. É por isso que me agarro a um imaginário onde as palavras são doces, os toques são quentes e os olhares são sinceros. É por isso que escrever nos limpa a alma, nos permite viajar dentro de nós próprios e proporcionar uma paz interior quase tão grande como a meditação. Escrever pode e deve ser uma religião mas poucos terão o dom de ler nas entrelinhas, para além do óbvio e daquilo que não foi dito de forma clara e directa. Por isso mesmo escrever é a minha forma de estar e ver a vida.

quarta-feira, maio 20, 2015

Hoje não escreveste...

Hoje o dia está cinzento. As ruas estão desertas e as janelas espelham o meu reflexo que se perde em pensamentos turbulentos. Olho para as ruas e procuro o que não encontro, até que ele chega mas não para. Passa sem aviso, sem esperar um único movimento meu. Os meus olhos seguem o carteiro sem rumo, perdendo-se numa esquina que não conheço. É o momento de me afogar em saudades, na tristeza que deixas sem saber.

Hoje não escreveste. Nem uma palavra, nem uma letra que fosse. Nem um olá, para poder colocar um sorriso no meu rosto e fazer-me esquecer este dia frio e triste, tão triste como eu. Hoje soube que não pensas-te em mim. Não soube o que fazias, o que pensavas, o que comias, o que vias... não soube nada de ti e perdi-me em mim. Queria tocar numa folha que trazia o teu cheiro, a tua voz que ecoava no meu pensamento, as imagens de um dia percorrido contigo. Deixas-te isso para trás, esqueceste-te de mim.


Hoje não disseste o quanto tens saudades, o que me faz pensar que talvez não tenhas tido. Não me mostraste o teu novo quadro que estavas a pintar, não me fizeste caminhar contigo no jardim botânico, que visitas todas as tardes, não me levaste a beber o vinho e a comer o queijo que costumas tomar no café ao lado de tua casa, com o teu melhor amigo. Não me levaste ao cinema a ver um filme de ação, nem me deste um beijo de boa noite ao despedires-te. E de repente tudo se transforma em nada, quando me encontro sem ti.

Hoje não escreveste um verso dos poemas que costumas dedicar-me. Nem uma frase roubada de outro autor. Ainda menos me fizeste uma lista de livros que devo começar a ler ou sequer me mandaste um beijo de saudades. Hoje, por tua culpa, não sei o que fazer e começo a esquecer-me do teu toque, da tua voz, do teu olhar, de ti... de nós. Foste egoísta ou simplesmente não te lembras-te de mim. Obrigas-me a voltar a ser uma criança que precisa de atenção para continuar a crescer. E eu não quero mais isso, pelo menos hoje que não sei onde estás, como estás, com quem estás.

Hoje não me escreveste, a tua carta não chegou e eu continuo a só querer ler uma palavra tua, para saber que hoje te lembras-te de mim.

Ana de Quina (Maio 2015)

domingo, março 22, 2015

Amor rebelde, amor sincero.

Lá fora a lua escondia-se por detrás das nuvens que o vento ia arrastando no ar mas dentro do bar o ambiente era aconchegador. Éramos poucos e tinhamo-nos encontrado de forma inesperada e quase clandestina, num encontro marcado às três pancadas. Tínhamos ido parar ali como um grupo de perdidos que viajava sem rumo mas logo me apaixonei pelo sitio. O ambiente era um pouco pesado como a música Rock que vinha da sala do fundo e o fumo dava-lhe uma mística que libertava o meu lado rebelde.

Da mesma maneira que tinha caído ali sem saber como, também não sabia mais o que fazer com a minha vida. Queria esquecer que para muitos tinha a vida perfeita sem ninguém se dar conta do quanto me sentia incompleta. Faltava-me algo e esse algo eras tu. Reparei em ti como um gato que depressa fica atento a uma luz nova que aparece de repente no meio da escuridão. A tua irreverência captou a minha curiosidade. Não sei se era o maldito cigarro na tua mão que me estava a dar vontade de te o roubar para reparares em mim como eu estava a reparar em ti... não sei, mas algo em mim despertou depois deste momento. Queria a tua atenção, a tua irreverência e nem imaginas como te comecei a invejar.

Por momentos desejei ter a tua liberdade e a tua auto confiança. Quase te tornaste um Deus aos meus olhos e as tua palavras começavam a chegar-me ao coração. Mas foi ao toque que eu não resisti, quando as nossas mãos se tocaram por engano ao ir agarrar o copo que estava em cima da mesa, à nossa frente. Foi nesse momento que algo nos ligou e eu passei a existir para ti. Sorri e tu retribuíste, Como uma criança que não quer perder a sua atenção, comecei a brincar contigo ao toque e foge, que nem rato e gato, e quanto mais a tua pele tocava na minha, mais eu te queria! Queria que os teus lábios deixassem o copo que beijavas para virem beijar os meus; queria que as tuas mãos deixassem o cigarro para se interlaçarem nos meus dedos; queria que os teus olhos deixassem a televisão para se colarem nos meus.


E de repente o resto deixou de existir. De cinco passamos a dois e a música rock tornou-se na nossa banda sonora. Eram poucos os que podiam ver que naquelas quatro paredes existiam duas almas que se estavam a encontrar e principalmente nem tu te davas conta do quanto me estavas a libertar de uma prisão, onde há muito vivia. Contigo podia ser espontânea, autentica e mais do que aquilo que era fora dali. Não me julgavas nem me condenavas. O mundo era teu e eu queria-o contigo. E o único que me perguntava era onde tinhas estado até àquela hora?

Mas tal como um sonho, tudo mudou na hora de ir embora. Queria falar, queria tentar, queria mudar... mas a rotina chamou por mim. A noite deu lugar à manhã e aquele sitio acordou como se nunca ali tivéssemos estado mas mal tu sabias que já me tinhas marcado da mesma forma inesperada em que nos encontramos naquele bar rústico perdido no meio do monte, com música rock que, por uma noite, se tornou na banda sonora das nossas vidas. Era visível o desalento no teu rosto e creio que não consegui disfarçar o meu, mas o teu sorriso prometeu-me que amanhã irias estar do meu lado e eu corri atrás de ti.

Ana de Quina ( 20 Março 2015)

terça-feira, fevereiro 03, 2015

Tempo roubado

Somos feitos de histórias e pequenos momentos roubados ao tempo, partículas de segundos que se vivem em dias perdidos por anos a fio. Somos pequenos pedaços do tempo e escrevemos na nossa memória tudo aquilo que vivemos: o que é bom fica, o que é mau esquecemos. Tempo que nos é roubado da mesma maneira que nos atrevemos a roubar o tempo dos outros e com ele criar as nossas próprias histórias. 

A memória não passa de um carro que nos conduz por essas mesmas histórias, por esses mesmos momentos onde esquecemos o tempo que passa sem parar. Às vezes queremos agarrá-lo, guardá-lo só para nós mas ele escapa-se-nos sempre pelos dedos e sem olhar para trás. Isso faz a memória, que vive e revive vezes sem conta um momento passado, uma fracção mínima roubada ao tempo que é infinito. 

Sorte tem o tempo que não pára e não acaba e ainda acumula histórias, histórias que ficam por contar e muitas que ficam por viver, histórias de ontem e de amanhã... e o futuro, esse, ninguém o pode roubar. Só nos resta esperar para poder viver e escrever num caderno de linhas infinitas - também ele à espera de ser estreado - aquilo que o tempo ainda tem para nos oferecer.

Ana de Quina - 2015

sexta-feira, dezembro 26, 2014

Um momento de inverno

Lá fora a neve caia de forma aparentemente uniforme e constante. A escuridão não permitia ver além da luz do candeeiro que iluminava a rua, não permitindo ver a serra coberta de um largo manto de neve. A chávena de chá fumegava, aquecendo as mãos de quem o bebia, fazendo esquecer o frio daquela noite. No parapeito da janela, a neve acumulava-se.

A luz preveniente da lareira iluminava o rosto dela, por vezes escondido atrás da chávena de chá. Olhava para a chávena e depois para as chamas da lareira, perdida em pensamentos flutuantes, tal como aqueles flocos de neve que ondulavam ao sabor do vento, mas que ela nem parecia reparar, nem sequer parecia ouvir o assobiar do vento lá fora. O que conseguiu chamar a sua atenção foi a fotografia de um beijo caloroso, dado numa tarde de verão no meio de um jardim apinhado de gente mas onde apenas aqueles dois seres pareciam existir. Regressava àquele passado com um sorriso, recordando aquele momento como se ainda ali estivesse a sentir o calor daquele corpo contra o seu, o sabor daqueles lábios e o aconchego daqueles braços que a envolviam. A forma como se lembrava de esquecer o mundo faziam-na ter certezas inabalaveis de um futuro próspero. Ela continuava a sorrir, segura de tudo estar bem.

De vez em quando olhava para a porta, onde o cão parecia esperar alguém, andando de um lado para o outro de forma impaciente até se sentar, dando-se por vencido pela espera. O livro continuava aberto na mesma página havia alguns minutos, enquanto outra chávena fumegava junto dele, em cima da mesa de madeira, em frente à lareira.

Uma porta bateu e, de imediato, os seus olhos encontraram aquele corpo coberto de neve, com lenha nos braços, empurrando a porta com o pé para poder passar e voltar a fechar sem ter que meter a lenha no chão. O cão batia a causa, caminhando junto a ele, que pousava a lenha num cesto de vigas, enquanto ela se aproximava para lhe sacudir a neve no casaco. Ele queixava-se do frio com um sorriso, enquanto ela acariciava-lhe o rosto, limpando a neve que se tinha derretido e transformado em água, como se cuidasse de uma criança frágil e que ainda não sabe o que é o mundo.

Sem pensar duas vezes, ele beijou-a na testa e depois nos lábios, indo-se aquecer junto da lareira, depois dela lhe ter tirado o casaco húmido e o ter pendurado junto à porta. Quando terminou, sentou-se no sofá, entre as mantas, acabando o seu chá. Sem demora, ele acompanhou-a, sentando-se do seu lado, pegando no livro e na sua chávena de chá. Tentava lembrar-se onde havia ficado, enquanto bebia o chá e o pousava na mesa. Olhou para ela, que o admirava sem pressas e em silencio. Percebendo aquele olhar, rapidamente se aproximou dela, deixando-a encostar a sua cabeça ao seu peito, ficando aninhada naquele corpo que a aconchegava. Ele lia o livro enquanto ela o ouvia, até o sono chamar por si e fazer esquecer o frio e a neve lá de fora, que teimava em não querer parar, parecendo não querer deixar de testemunhar o que unia aqueles dois seres inseparáveis.

Ana de Quina (2011)

sábado, novembro 29, 2014

Beijo do Pecado

Vi-te descer, ao fundo, a rua, imaginando que vinhas na minha direcção, mesmo sem saberes. Caminhavas como um anjo, como se arrastasses os pés pelo ar, como se cada passo fosse algo divino. Apenas eu te poderia apreciar da maneira que o fazia. O teu corpo transbordava sedução e o teu olhar era incapaz de o negar. Aproximavas-te lentamente, como se fosses ao encontro de algo igualmente divino, enquanto eu te via de uma varanda, pedindo em silêncio que me olhasses. Quando o fizeste, não acreditei.

Vi-te sorrir, algo que transformou aquela divindade num pecado. Retribui, contribuindo para a desgraça dos homens, tornando a terra num inferno criado por nós. Este jogo apenas havia começado. Soletras-te umas palavras silenciosas, que confesso que não entendi, mas cada movimento dos teus lábios, pareciam cada vez mais perto de me tocar. As ruas estavam desertas, apenas um carro passava de vez em quando. O céu escurecia e a chuva parecia querer acompanhar-nos neste jogo de olhares, sorrisos e palavras silenciosas, como um acto terrorista.

Descaradamente, sem medo do incerto, sai da varanda, desci as escadas, e apenas parei ao pé da porta onde tu não me esperavas encontrar. Arranjaste a tua camisa, num gesto ofegante e ansioso. A minha saia até aos pés, era levada pelo vento, apenas descobrindo-me os pés. Olhavas-me de alto a baixo como se o anjo agora fosse eu, mas acredito que me virias mais como um pecado, do que como algo divino. Eu tinha a certeza que eras um pecado na minha vida.

Aproximaste-te, com passos incertos, olhando para ambos os lados daquela rua deserta, procurando aquilo que já tinhas encontrado. Os teus olhos pareciam cada vez mais hipnotizados. Olhavas para um vazio dentro dos meus olhos, e eu, de igual modo, não conseguia ver nada nos teus. Estendeste-me a mão, com medo que eu desaparecesse, sem antes teres esse prazer. Lentamente passaste-me a mão pelo rosto, enquanto eu te olhava, focada em algo irreal, agora que os teus olhos seguiam as tuas mãos. Paras-te quando encontras-te a minha mão, que bruscamente apertei contra a tua, tornando aquele pecado cada vez maior.

Os nossos olhos cada vez mais juntos, mas a tua atenção focou-se nos meus lábios, que lentamente se abriam, como se obedecessem a uma ordem tua, como que imitando os teus lábios que também se começavam a abrir. Quando ambos os lábios se tocaram, pequenas gotas de chuva começaram a cair, como se o mundo divino chorasse. Os nossos olhos tornaram-se janelas fechadas para o mundo, completamente abertas para o nosso interior. As nossas bocas ficavam cada vez mais juntas e mais ofegantes, como se o beijo fosse algo desconhecido de ambos. Lentamente, pouco a pouco, os beijos intensificaram-se e como numa coreografia, todo o teu corpo se movia, tocando-me nas costas, no cabelo, querendo sentir tudo de uma só vez. Como um belo pecado, aproximei mais a tua cabeça, junto á minha, e cada vez mais as nossas bocas pareciam uma só.

A chuva teimava em cair e nós teimávamos em continuar aquele beijo doentio e frenético. Poderíamos ouvir a chuva, a água que começava a correr pela rua fora, os poucos carros que passavam e apitavam, isto, caso deixássemo-nos de beijar... mas não deixamos. Apesar das gotas serem cada vez mais, mais pesadas e frias, os nossos corpos permaneciam quentes. E incapazes de se separarem, apesar de apenas estarem ligados por um beijo.

Como uma trovoada ou um bom pecado, deixei-te abruptamente, sussurrando algo no teu ouvido, como um murmúrio dos infernos, e sorrindo misticamente. Comecei a correr dali, como se levasse comigo a tua alma, que agora não a poderias reaver e tu nada fizeste por isso.


 Ana de Quina (2006)