sexta-feira, dezembro 26, 2014

Um momento de inverno

Lá fora a neve caia de forma aparentemente uniforme e constante. A escuridão não permitia ver além da luz do candeeiro que iluminava a rua, não permitindo ver a serra coberta de um largo manto de neve. A chávena de chá fumegava, aquecendo as mãos de quem o bebia, fazendo esquecer o frio daquela noite. No parapeito da janela, a neve acumulava-se.

A luz preveniente da lareira iluminava o rosto dela, por vezes escondido atrás da chávena de chá. Olhava para a chávena e depois para as chamas da lareira, perdida em pensamentos flutuantes, tal como aqueles flocos de neve que ondulavam ao sabor do vento, mas que ela nem parecia reparar, nem sequer parecia ouvir o assobiar do vento lá fora. O que conseguiu chamar a sua atenção foi a fotografia de um beijo caloroso, dado numa tarde de verão no meio de um jardim apinhado de gente mas onde apenas aqueles dois seres pareciam existir. Regressava àquele passado com um sorriso, recordando aquele momento como se ainda ali estivesse a sentir o calor daquele corpo contra o seu, o sabor daqueles lábios e o aconchego daqueles braços que a envolviam. A forma como se lembrava de esquecer o mundo faziam-na ter certezas inabalaveis de um futuro próspero. Ela continuava a sorrir, segura de tudo estar bem.

De vez em quando olhava para a porta, onde o cão parecia esperar alguém, andando de um lado para o outro de forma impaciente até se sentar, dando-se por vencido pela espera. O livro continuava aberto na mesma página havia alguns minutos, enquanto outra chávena fumegava junto dele, em cima da mesa de madeira, em frente à lareira.

Uma porta bateu e, de imediato, os seus olhos encontraram aquele corpo coberto de neve, com lenha nos braços, empurrando a porta com o pé para poder passar e voltar a fechar sem ter que meter a lenha no chão. O cão batia a causa, caminhando junto a ele, que pousava a lenha num cesto de vigas, enquanto ela se aproximava para lhe sacudir a neve no casaco. Ele queixava-se do frio com um sorriso, enquanto ela acariciava-lhe o rosto, limpando a neve que se tinha derretido e transformado em água, como se cuidasse de uma criança frágil e que ainda não sabe o que é o mundo.

Sem pensar duas vezes, ele beijou-a na testa e depois nos lábios, indo-se aquecer junto da lareira, depois dela lhe ter tirado o casaco húmido e o ter pendurado junto à porta. Quando terminou, sentou-se no sofá, entre as mantas, acabando o seu chá. Sem demora, ele acompanhou-a, sentando-se do seu lado, pegando no livro e na sua chávena de chá. Tentava lembrar-se onde havia ficado, enquanto bebia o chá e o pousava na mesa. Olhou para ela, que o admirava sem pressas e em silencio. Percebendo aquele olhar, rapidamente se aproximou dela, deixando-a encostar a sua cabeça ao seu peito, ficando aninhada naquele corpo que a aconchegava. Ele lia o livro enquanto ela o ouvia, até o sono chamar por si e fazer esquecer o frio e a neve lá de fora, que teimava em não querer parar, parecendo não querer deixar de testemunhar o que unia aqueles dois seres inseparáveis.

Ana de Quina (2011)

Sem comentários:

Enviar um comentário