terça-feira, julho 03, 2012

O Beijo

Aqui fica mais um texto escrito há uns anos atrás...



Bastou um mero olhar para entender que as coisas estavam diferentes. Observava a maneira como as tuas mãos me acariciavam o cabelo, até chegar ao meu pescoço, acabando por me acariciar o rosto. Olhavas-me nos olhos como se procurasses o resto de mim e conseguisses ver-me verdadeiramente, como se não passassem de um mero espelho para a minha alma e a minha verdadeira pessoa.

Apesar destas paredes claras parecerem sombrias e de apenas a luz invasiva da rua nos iluminar neste corredor desguarnecido de qualquer adorno, pareço conseguir ver-te na perfeição. O brilho dos teus olhos escuros fazem-me entender que nada mais será necessário para saber o que sentes. E a tua imagem parece única, aqui, à minha frente, deixando-me sem saber se serás real ou um mero sonho onde te tenho.

Os teus dedos percorrem os meus lábios, que se abrem lentamente, obedecendo à passagem do teu dedo polegar, cujo movimento é acompanhado pelos teus olhos, enquanto os meus ainda observam a expressão de curiosidade existente no teu rosto, que me parece mais puro do que sempre foi. Acabas largando o meu lábio como se o quisesses levar contigo, enquanto a tua outra mão me aprisiona o pescoço, como se tivesses medo que pudesse escapar.

Lá fora os carros passam, os fumos da cidade desvanecessem e as luzes de néon fazem sinais sem fim para nos obrigar a olhar para elas, mas neste momento apenas nós existimos, dentro destas quatro paredes. Ambos sabemos o que vai acontecer, ambos sabemos que queremos o mesmo, mas o medo de errar começa a nascer e os nossos corações batem de uma maneira especial, absorvendo tudo, tal como os nossos olhos, as nossas mãos e as nossas bocas irão absorver caso esta proximidade continue, a qual sabemos que não queremos que termine.

Como por assalto, voltas a olhar-me. Não sorris mas o brilho dos teus olhos não me negou esse sorriso e essa confiança para avançar, em fechar lentamente os olhos como que obedecendo a ordens que de forma desconhecida chegavam, as quais tu também seguias. Enquanto isso, sentia a tua respiração profunda cada vez mais próxima, enquanto a tua mão se afogava nos meus cabelos e a outra se aproximava mais e mais das minhas ancas. Sem pensar duas vezes, acabei por fazer o mesmo, mas com a diferença de que me sentia desfalecer ao teu toque, sentindo-me segura por saber que me tinhas nos teus braços.

E foi então que senti os teus lábios tocarem os meus… e eu deixava que eles me invadissem pouco a pouco, envolvendo-se tal como nós, abrindo-se ao desejo de ambos, em conjunto, acabando por humedecer a minha boca, que momentos antes parecia ter ficado seca. Os nossos olhos permanecem fechados, mas parecendo que corremos juntos um caminho conhecido, longe daquela cidade movimentada, onde apenas nós voltávamos a existir. E agora apenas o som dos nossos corações se fazem ouvir, abafando tudo o que nos possa envolver.

Aproximamos-nos como que com medo de fugirmos um do outro, explorando cada canto dos nossos lábios, trocando sensações que não poderemos descrever, que nos fazem entender o que ambos queremos. As nossas mãos acabam por se movimentar lentamente, como que explorando um pouco do nosso corpo, tal como as nossas bocas ofegantes se conhecem e envolvem numa lenta dança de sedução, que nos faz sentir livres daquilo que algum dia fomos ou chegaremos a ser. Sem avisos, sem pensamentos prévios, sem intenções premeditavas, sentimos mais e mais uma paixão desconhecida que nos invade, aquecendo o sangue que nos corre nas veias.

Como que lendo os sinais de cada um, abrimos lentamente os olhos, sem nos afastar-mos, confirmando o que ambos sentimos, fechando os olhos duma forma ainda mais rápido do que aquela que os abrimos ou do que estes beijos, que se desenvolvem numa intimidade infinita. Agora respiramos o mesmo ar, sentimos as mesmas batidas, sentimos o mesmo toque, sem, neste momento não sabermos mais do que o que sentimos. Não sabemos quando isto terminará, mas lá fora o dia ainda mal acordou para nos observar neste remoto momento, onde a cidade foi esquecida e os sentimentos gritaram ao mundo.

Ana de Quina F.

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