Apesar da longa ausência, depois de novos projetos inesperados, regresso com um pensamento que me tem atormentado. Lá está, bastou uma imagem para pôr esta cabeça a fervelhar. Falava sobre a educação e da maior mentira que alguma vez já nos foi dita, desde bem cedo: Podes ser o que quiseres quando fores grande! E isto fez-me voltar ao tempo em que nos perguntavam, estupidamente, o que queríamos ser quando realmente fossemos grandes. Dizia pintora: não se ganha para se sobreviver; dizia oleira: isso não é uma profissão; dizia astronauta: isso tens que estudar muito; dizia escritora: queres dizer jornalista! Havia sempre uma maneira de arruinar o sonho de uma criança e tudo era encarado como a piada mais engraçada do mundo dita por uma criança que nada sabia o que era a vida. A coisa então ficava mesmo preta quando nos continuavam com o discurso Podes ser o que quiseres quando fores grande! O que se esqueciam de acrescentar era: desde que seja economicamente viável, socialmente aceite, politicamente correto - e que te torne em mais um carneirinho do rebanho que trabalha para o sistema dos escravos do trabalho e daquilo que a sociedade teima em impôr. É por isso mesmo que gosto e quero sempre ser do contra.
Atualmente, quando me perguntam pela minha profissão, apetece-me ser irónica: transformar o "empregada de balcão" em "gerente de um café", ou um "desempregada" em "estudante por conta própria", ou melhor ainda, como já respondi várias vezes "Licenciada". Sim, a licenciatura devia ser uma profissão: a profissão dos desempregados. Mas ultimamente apetece-me responder "Escritora" e porquê? É simples!
1) Porque escrevo diários desde os 8 anos de idade.
2) Porque escrevo contos desde os 12 anos de idade.
4) Porque não passo sem uma caneta e um bloco de anotações.
5) Porque prefiro a companhia de um livro, a um convívio entre pessoal.
6) Porque estou constantemente a passar sentimentos para uma folha de papel.
7) Porque estou constantemente a fugir da minha realidade, para o meu imaginário.
8) Porque sempre que vou dormir, a minha criatividade acorda.
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As razões podiam até ser inumeráveis, mas bastava uma para chegar: porque é aquilo que eu gosto de fazer! Observar, escrever, ler, imaginar e criar. Posso até nem ter o dom da palavra, posso mesmo ser péssima na expressão, mas o gosto, o poder fazer algo que realmente se gosta, nem todos se podem dar ao luxo. E porquê viver por aquilo que é imposto e não por aquilo que nos move? E porquê nos limitarmos a fazer aquilo que nos dá estabilidade a muitos níveis, mas nos preenche com um vazio que nos vai matando aos poucos? Porquê deixar de sonhar e vivermos no comodismo?... E ninguém me deixa esquecer que a minha profissão tem de ser relacionada com a minha área, ainda mais sendo licenciada. Jamais poderia ser considerada uma escritora porque não tenho nenhum comprovativo com carimbo de uma instituição a indicar aquilo "que eu sou". Ainda para mais sem nada publicado, porque o que apenas me poderá tornar numa escritora é um documento em formato Word ou PDF. Da mesma maneira que um músico nunca poderá ser um músico porque não tem um CD no mercado mas sim faixas perdidas e desarranjadas no seu computador; da mesma maneira que um pintor nunca poderá ser um pintor porque nunca expôs nenhum trabalho sem ser nas paredes da sua casa... tudo porque o que não é comercial não existe. Se não está "à vista" não exite e se o teu talento não tem um "certificado", não tens acesso a uma profissão.
Condeno, sem dúvida, esta sociedade que teima em matar a criatividade, a tornar as pessoas que têm algo para mudar o mundo - nem que seja o seu - em seres estranhos e monstruosos porque não andam de fato e gravata, pasta na mão e têm uma mente mais à frente... algo demasiado perverso, demasiado perigoso para a sociedade. E mesmo evitando a política, não posso deixar de dizer - graças a deus ainda o vou podendo fazer (por enquanto) - que esta é a verdadeira forma de censura e de opressão do mundo moderno. Hoje em dia já não sei se estou a ver as noticias dos repórteres de rua, ou de videos tirados do youtube; já não sei quem é o policia que nos protege fardado ou o que nos agride à paisana; já não sei se uma manifestação artística será considerado um ato de vandalismo... e como não sei tanta coisa, porque não aproveitar e ser aquilo que sempre quis ser e sempre me disseram que podia ser (aquilo que quisesse)... Aproveitem e façam o mesmo!
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