sábado, janeiro 11, 2014

O caminho

Convido-te a fazer uma viagem de sonho comigo. Nada de extraordinário, nada de impossível, apenas te mostrar um local especial que somente poucos têm possibilidade de conhecer. Uma viagem com destino próprio, mas tudo o resto imprevisível, como qualquer viagem, apenas muda a paisagem e a companhia. Vem comigo e vou-te mostrar como seríamos todos felizes se pudéssemos parar no tempo para refletir neste local de sonho.

         Aceitas, vens, ansioso por conhecer o desconhecido. O teu sorriso nervoso diz tudo e contraria o brilho do sorriso dos teus olhos que se confundem com a luz da estrada lá fora. A mesma que também brilha com as luzes fracas dos candeeiros e do carro que segue um destino guiado por mim. Penso que deve ser o único caminho que consigo controlar na minha vida. Começam então a surgir os imprevistos, mas sem perigo, pois acabam por ser todos conhecidos.

         Cá dentro a música calma parece tomar conta de nós. Tu não sabes se hás-de falar ou estar calado e eu também não digo nada, não porque não saiba o que dizer mas sim porque não há nada mais para dizer. Aquilo que algum dia houve para dizer, já foi dito. Este não será o momento de termos qualquer tipo de diálogo e tu tens consciência disso. Escutas a música, olhas para a rua ou então olhas fixamente para mim, observando cada pormenor do meu rosto como se fosse a primeira vez que o viras. Eu não te olho, de propósito, para te manter calado ou a pensar no que queiras.

         Lá fora os caminhos parecem cada vez menores e a distância cada vez maior. O céu tapa-nos como um manto que nos protege, apenas com a luz do luar sobreposto na escuridão do infinito. As luzes artificiais já não existem mais e o que está á nossa frente parece não existir. As estrelas parecem cada vez mais nítidas e mais próximas mas não o suficiente para desejar tocar nelas. O caminho continua, parecendo cada vez mais não ter fim.

         Apenas te apercebes que já chegamos quando paro o carro de uma forma quase tão abrupta como o nosso silêncio. Ainda ficas na dúvida, mas não ousas perguntar. Saímos e entreolhamo-nos; caminhamos e o vento encaminha-nos por entre o vale sombrio, iluminado pelo luar. Sigo à tua frente, mostrando-te o caminho e tu aproveitas a ocasião para te aproximares, sem me tocares e segues os meus passos, lentamente, com medo ou simplesmente seguindo-me porque assim eu quis. Levo-te para o local mais alto. Observas ao longe o mundo, cidades, fronteiras, iluminados por pontos tão pequenos como as estrelas que nos cobrem as cabeças.

O vento parece cada vez mais harmonioso, mesmo assim pretendes proteger-me do frio, aconchegando os meus braços em volta dos teus, encostando o teu rosto nos meus ombros, chegando-o contra o meu. Tento entender o que te levou a aproximares-te de mim desta maneira tão imprevisível. Poderia jurar que o vento tinha voltado, mas percebo que apenas o meu corpo sente frio porque sinto o teu corpo quente junto ao meu. Controlo as minhas emoções através da razão, mas sei que mais cedo ou mais tarde as emoções vencerão. Sussurras ao meu ouvido e confessas que havias sonhado inúmeras vezes em estar comigo ali, assim, mas logo te lembro que nada mais poderá acontecer, pois este seria o último encontro.

Surpreso ou desesperado, obrigas-me a olhar para ti, olhos nos olhos e provocas-me com todas as tuas armas, acariciando-me o rosto, aproximando-o do meu, enquanto eu, imóvel, observo todos os teus movimentos. Dizes-me, próximo dos meus lábios, que pretendes aproveitar os últimos momentos comigo da melhor maneira e beijas-me sem autorização, sem escrúpulos e sem qualquer vergonha. Apenas esta natureza e toda esta força poderá ser um dia testemunho do que agora se passa. Exploras a minha boca, milímetro a milímetro, como se nunca antes a tivesses sentido, abraças-me com mais força e acaricias os meus cabelos como se te fossem voar da mão para sempre. Ficamos ali horas, minutos, segundos. Nem eu sei.


Quando tudo termina, subitamente, aquele local deixou de ser especial, para se tornar num local estranho. Seria realmente o fim de tudo: o último encontro, o último abraço, a última carícia e o último beijo. Seria melhor assim? O destino iria dar essa resposta mais tarde. Agora era tempo de regressar e esquecer o que se tinha passado, sem lembranças, sem remorsos, sem tristezas, sem nada dizer.

Ana de Quina F. - 2005

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