sexta-feira, novembro 14, 2014

Tristes aqueles...

Tristes aqueles que não conhecem o campo, que nunca sentiram o chamar do vento de norte por entre outeiros, que nunca caminharam perdidos à procura de um trilho inexplorado e que nunca se esqueceram do tempo que os persegue a toda a hora. Tristes são aqueles que nunca sentiram o que é ser livre como a natureza, que nunca se aventuraram a explorar recantos desconhecidos, que nunca fugiram de uma estrada de alcatrão e nunca escolheram um caminho de lama, cheio de pedras e obstáculos para chegar a uma paisagem de cortar o fôlego.

Tristes aqueles que nunca viram um condor a planar no céu ao sabor do vento e nunca desejaram ter asas para voar. Que nunca viram uma lebre a fugir da luz procurando a escuridão da noite, sem medo do desconhecido. Que nunca pararam para ouvir os pássaros a cantar numa árvores, abrigados da chuva forte que corta o ar. Tristes aqueles que nunca arriscaram nada na vida, nunca se atreveram a errar com medo da ingratidão do insucesso e sempre escolheram o caminho mais seguro. Daqueles que vivem de aparências e escolhem sempre o mesmo caminho para não chegar a lugar nenhum, sem ser a um descampado cheio de pedras de granito, onde não se distingue o ser mais podre do menos podre.



Tristes aqueles que são incapazes de sonhar, que sobrevivem às suas rotinas e nunca tiveram coragem de fugir das suas próprias vidas, que nunca tiveram coragem de vir conhecer o campo e saber encontrar-se em si. Deixar de ser quem se é durante uma vida inteira para saber quem realmente se é por dentro. Esquecer os espelhos, despir-se de preconceitos e ficar vulnerável à própria natureza e ao bater do seu coração. Tristes os que se perdem pela cidade e a pouco e pouco se esquecem de quem foram e se entregam ao consumo de uma vida frenética e impessoal. Os que só sabem viver rodeados de gente para não se sentiram sós, sentindo-se integrados numa sociedade cobarde, corrupta e corrosiva de nós próprios.

Tristes os imbecis que acreditam que o que se aprende na escola é um facto incontestável e uma verdade absoluta, e que a vida jamais lhes irá ensinar algo. Tristes aqueles que nunca vão entender a importância de tropeçar e cair, e levantar e vencer. Tristes os que olham sem ver e falaram sem se ouvir. E no dia em que todos decidirem fugir, irão chorar e morrer de agonia por nunca terem sido quem um dia desejaram ser, por nunca terem tido a coragem de fazer um escape de si próprio e nunca mas nunca terem sido felizes com tão pouco, como aqueles que um dia se deixaram perder no campo.

Ana de Quina, 2014

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